terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Estado laico ou laicista? Proibir um outdoor é vitória do Estado laico?

Estado laico ou laicista?
Recentemente, foi noticiado o fato de que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo confirmou uma sentença de um juiz de Ribeirão Preto/SP, que vetou a exposição de um outdoor pela igreja evangélica Casa de Oração, que continha versículos bíblicos contra o homossexualismo (Levítico 20:13 e Rm 1:26-27). Assim, vi alguns jornais e sites falando que isso seria uma vitória do “Estado Laico” (sic.).
A pergunta que aparece é: Isso, de fato, tem a ver com Estado laico (laicidade)? Certamente NÃO, como buscarei estar demonstrando nesta pequena reflexão.
A ideia de uma separação entre Estado e Igreja aparece modernamente com força com os jacobinos na Revolução Francesa, influenciados pelos pais-fundadores (founding fathers) do constitucionalismo americano.
Até então, na Idade Média, a sociedade era uma sociedade estamental, ou seja, hierárquica, dividida basicamente em 4 estamentos ou estados: Rei, Nobreza, Clero e Servos, sendo que os dois primeiros possuíam privilégio em relação ao último grupo subordinado. Ademais, a igreja era em muitos países europeus umbilicalmente ligada às realezas naquelas sociedades.
Com a revolução francesa, buscou-se destruir este “ancien règime” (antigo regime). E o sangue correu solto. Basta lembrar que em um ano de Revolução Francesa se matou mais gente do que em três séculos de Inquisição Católica, apesar de nossos livros de História não falarem nada ou quase nada sobre o tema.
Assim, com o sucesso da Revolução Francesa e da americana, vários países ocidentais passaram a adotar a ideia do ESTADO LAICO, que pode ser definido como aquele que é IMPARCIAL em relação às questões religiosas, não apoiando e nem se opondo à nenhuma religião, não se confundindo com um estado ateu ou agnóstico.
Especificamente, no Brasil, a ideia do Estado Laico vem desde nossa Constituição de 1891, sendo que atualmente está previsto no artigo 19, inciso I, da Carta Magna que determina apenas que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-las, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes, relações de dependência ou aliança, ressalvas, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
Ora, como se vê claramente acima, o conceito de estado laico é muito mais restrito do que o que temos visto ser empregado hoje em dia. Percebe-se claramente uma profunda deturpação deste conceito, quando muitos militantes ateus, formadores de opinião na mídia e até parlamentares que defendem questões como aborto, agenda GLBT, etc., invocam o “estado laico” de forma totalmente fora do contexto, visando silenciar elementos religiosos do debate público.
Quando falo de deturpação é que a neutralidade estatal não pode ser desculpa para sub-repticiamente se fomentar a irreligiosidade no povo. A laicidade não significa a adoção pelo Estado de uma perspectiva ateísta ou refratária à expressão individual da religiosidade.
E quando falamos em perspectiva ateísta não precisa ser algo como ocorreu em países, como a Rússia, por exemplo. Como nos esclarece o jornalista Peter Hitchens (que morou anos ali e é irmão do falecido militante neo-ateu Christopher Hitchens), em seu livro Rage Against God (Ira contra Deus), em 26 de outubro de 1917, uma das primeiras medidas do governo Lênin, se deu por meio do político Anatoly Lunacharsky, que baixou um decreto proibindo o ensino de religião e, em 3 de janeiro de 19922, adveio um decreto mais amplo ainda, proibindo o ensino de religião até dentro de casas privadas, sendo que o próprio governo tinha uma revista chamada Bezbozhnik (“Os Ateus”) para fomentar o ímpeto ateísta.
Hoje, no nosso Brasil, a batalha só é diferente, pois a grande maioria não quer pegar mais armas, mas, ganhar os corações, principalmente das gerações mais jovens, onde o ceticismo e a descrença vem ganhando espaço. Ou seja, é uma guerra ideológica, onde busca-se silenciar quem pensa diferente da agenda atual da mídia. Temos um livro interessantíssimo chamado The Silencing (O Silenciar), da jornalista americana Kirsten Powers, ainda não publicado no Brasil, e que li recentemente, que mostra claramente como estes grupos de pressão buscam silenciar valores judaico-cristãos na sociedade, muitas vezes utilizando-se de ataque não às ideias em questão, mas, buscando rotular quem as defende de “fascistas”, “nazistas”, “fundamentalistas”, “retrógrados”, “obscurantistas”, etc.
A coisa chegou a um nível tal que temos até a chamada Lei de Godwin, que diz que quando queremos acabar com um debate, basta chamar o outro lado de nazista. Ou seja, em 1990, Mike Godwin, um advogado americano ficou conhecido por formular esta lei, que diz: “À medida em que cresce uma discussão online, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler ou o Nazismo aproxima-se de 1 (100%)”.
Portanto, a laicidade não se confunde com o laicismo. Apesar de parecer um jogo de palavras, o laicismo traz uma ideia diversa, que não envolve mera neutralidade, e tende a resvalar para posições autoritárias, de restrição à liberdades religiosas individuais. Por isso, seria constitucionalmente inadmissível a aplicação no Brasil de medidas laicistas, incorretamente adotadas em nome da laicidade, como ocorreu em países como a França e a Turquia que, em períodos recentes, restringiram certas manifestações religiosas de seus cidadãos em espaços públicos, com destaque para a proibição do uso do véu islâmico em escolas pública.
Voltando ao caso de Ribeirão Preto, sem adentrar no mérito da mensagem do outdoor, que demandaria um outro artigo, pergunto: O que ali tem a ver com “Estado Laico”? Qual a ligação entre um outdoor que é alugado por uma igreja no âmbito particular com uma suposta ofensa à divisão entre Estado/Igreja? NENHUMA.
Ou, o que tem a ver ser contra o aborto com ser contra o Estado Laico? É sabido que existem inúmeras razões que podem ser invocadas pelas pessoas, independentemente de terem fé ou não, e que justificam uma posição contrária ao aborto.
Por fim, tenho que desde que o pensamento de uma determinada igreja possa se traduzir como política pública e não mero dogmatismo que diria respeito apenas àquelas pessoas que crêem nele, é perfeitamente válida a inserção de tais ideias no campo público.
Por exemplo, foi a CNBB, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, que capitaneou na época a campanha de mudança na legislação eleitoral para prever a criminalização da compra de votos. Esta mesma entidade também todos os anos, lança a Campanha da Fraternidade, abordando graves problemas sociais, e propondo alternativas para o seu enfrentamento. O mesmo encontramos em algumas igrejas evangélicas e de outros credos.
Desta forma, temos que analisar caso a caso e não baixar a cabeça para o preconceito generalizado de uma parcela da sociedade, que busca escantear quem tem fé. Ninguém deve se colocar como sendo um “puro da Terra”, ou achar que possui uma estatura moral superior a seu semelhante.

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